Entidades cobram regulamentação de pensão especial a órfãos de feminicídios
Por Ariadne Sousa08/04/2024 17:14 | Atualizado há 1 ano
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Políticas de apoio e proteção a crianças e adolescentes órfãos em razão do crime de feminicídio foram discutidas em audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (08/04), pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), por meio da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC).
A discussão atendeu a requerimento do deputado Renato Roseno (Psol), presidente da comissão, que alertou para o problema da subnotificação de casos de feminicídio e para a necessidade da construção de indicadores confiáveis, que reflitam a realidade. “No estado do Ceará, nós tivemos 264 casos de crimes letais intencionais contra mulheres no ano passado, dos quais 46 foram classificados como feminicídio, mas nós sabemos que o número pode ser maior e sabemos que essas vítimas podem ter deixado crianças e adolescentes órfãos”, destacou.
O parlamentar lembrou ainda que a Lei Federal n.º 14.717/2023 - que prevê pensão especial aos filhos e dependentes menores de 18 anos de idade órfãos em razão do crime de feminicídio e cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo - apesar de já estar sancionada, ainda carece de regulamentação para que produza os efeitos a que se propõe.
“Além da tragédia com essa criança, de perder a mãe violentamente, o autor do crime é uma pessoa, como o pai ou o padrasto, companheiro da mãe, por isso mesmo essa criança muitas vezes fica desamparada”, pontuou o deputado. Diante disso, Renato Roseno chama a atenção para a necessidade da efetivação de políticas de suporte psicossocial e material aos órfãos.
Entre os encaminhamentos da audiência estão o envio de ofício à Casa Civil solicitando celeridade para a regulamentação da lei e a proposta de desenvolver um dossiê que reúna dados e índices que sirvam de subsídio para políticas para mulheres. Na ocasião, o presidente da CDHC informou ainda que participará de reuniões em Brasília, esta semana, para tratar sobre a temática.
O DEBATE
Para a vereadora da Câmara Municipal de Fortaleza Anna Karina Cavalcante (Psol), o tema ainda é invisibilizado e falta entendimento sobre a amplitude do problema, inclusive a respeito do quanto o feminicídio atinge, além da vítima, também as estruturas familiares. “Em 2023, essas mulheres assassinadas de forma tão brutal, tão hedionda, elas deixam órfãos, uma média de três filhos”, indicou.
De acordo com a vereadora, os impactos das agressões contra a mulher no ambiente familiar atingem as crianças e adolescentes desde antes da concretização do crime de feminicídio, pois eles são expostos a situações de violência dentro de casa.
“A gente tem um grande problema aqui de adoecimento, problemas não só econômicos para essas crianças, tem a questão da escola, a educação fica obviamente a desejar porque é um abalo emocional enorme para essas crianças”, completou.
A defensora pública e coordenadora da Rede Acolhe, Gina Kerly Pontes Moura, detalhou que, na maioria dos casos atendidos pela Rede, os filhos testemunharam o assassinato da própria mãe.
Citando um acontecimento atendido pela Rede, a defensora detalhou que houve um “caso de esfaqueamento em que a mãe inclusive estava com a criança no braço quando foi assassinada, e esse caso é bem emblemático, porque a gente acompanhou desde o começo e ela tinha quatro filhos. O pai, agressor, foi preso, perdeu o poder familiar, os filhos perderam a mãe, e a família, em situação de vulnerabilidade social, teve que distribuir essas crianças entre diversos familiares”.
Nesse sentido, Gina Kerly Pontes Moura destacou que é fundamental reconhecer a realidade para que sejam trabalhadas ações práticas no combate ao problema. Por fim, ela defendeu a regulamentação da lei que instituiu a pensão aos órfãos.
Durante o encontro, a promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo Estadual de Gênero Pró-Mulher do Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE) argumentou a relevância de que as políticas sejam promovidas em rede, de forma intersetorial para romper o ciclo de violência. Para ressaltar o valor da prevenção, ela informou ainda que, nos últimos seis anos, nenhuma mulher acompanhada na Casa da Mulher Brasileira, que oferece uma gama de serviços sociais e de proteção, sofreu feminicídio.
Com relação aos indicadores relativos à temática, a advogada do Instituto Maria da Penha, Rose Marques, argumentou que existem muitas lacunas e que sem eles não é possível criar políticas que abranjam a realidade do problema. “O que não tem dados não existe. Essa é a condição dessas crianças, adolescentes e jovens. Elas não existem para as políticas”, completou.
Representando a secretária de Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, o coordenador da assessoria jurídica da pasta, Hilton do Couto Cohen, apontou que a secretaria vem atuando em diferentes frentes para combater as variadas formas de violência, entre elas a cometida contra a mulher. “No nosso plano estadual de Direitos Humanos, nós conseguimos colocar esse segmento como uma das ações prioritárias do Governo do Estado”, disse.
Edição: Clara Guimarães
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