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Pesquisa identifica dificuldades de acesso a políticas públicas entre jovens que cumprem medidas socioeducativas

Por Pedro Emmanuel Goes
14/11/2024 19:28 | Atualizado há 6 meses

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Pesquisa foi lançada durante a 7ª edição da Semana Cada Vida Importa - Foto: Máximo Moura / Alece

O Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) apresentou, na tarde desta quinta-feira (14/11), no Kuya - Centro de Design do Ceará, os resultados da pesquisa “Vidas por um Fio – Trajetórias de adolescentes após o cumprimento de medidas socioeducativas no Ceará” (arquivo completo disponível no final da matéria). O lançamento fez parte da sétima edição da Semana Cada Vida Importa, inciativa que prevê articulações e parcerias contra a violência e a mortalidade juvenil no Estado do Ceará.

Entre os objetivos da pesquisa está avaliar o efeito do cumprimento de medidas socioeducativas de jovens e adolescentes na vulnerabilidade de homicídios. Para isso, foi estabelecida uma ligação entre os registros de internação da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) e os dados do Sistema de Informação sobre a Mortalidade. 

O cruzamento dos dados identificou 502 casos de morte por causas externas, entre 2016 e 2020, dos quais 83,07% foram classificadas como homicídio, 3,59% como acidentes, 0,9% como suicídios e 12,15% como circunstâncias ignoradas. 

Deputado Renato Roseno (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Alece, apresentou dados identificados no estudo - Foto: Máximo Moura / Alece

O presidente do Comitê de Prevenção e Combate à Violência e da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Alece, deputado Renato Roseno (Psol), ressaltou que os dados contidos no documento fazem parte de um esforço para informar a sociedade e subsidiar os gestores públicos na diminuição da letalidade na juventude.

O parlamentar alertou, em especial, para os registros de mortalidade relacionados à população juvenil após o cumprimento de medidas socioeducativas. “Aqui há um conjunto de aportes sobre a necessidade de manter a escolarização desses jovens depois da medida socioeducativa, a presença em projetos sociais, a qualificação profissional e a integração, porque, se não [houver a adoção dessas ações], ele volta a um território e a um cotidiano de muita violência”, pontuou Roseno.

O coordenador do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Alece, Thiago de Holanda, lembrou que, desde 2016, vem sendo feito o alerta de que adolescentes que passam pelo sistema socioeducativo têm mais chances de morrer do que os demais. 

O estudo sobre a trajetória de adolescentes após saída do sistema socioeducativo demonstra que esses jovens são mais vulneráveis: tem até 17 vezes mais chance de morrer, dentro de um tempo médio de um ano e três meses. “Quando ele sai do sistema, esse tempo é crucial para a gente manter a vida desse adolescente. Isso acende mais ainda o alerta de que algo precisa ser feito”, alertou Thiago de Holanda..

Outro ponto do estudo mostra que muitos adolescentes têm pouco acesso às políticas públicas antes e depois de cumprir a medida socioeducativa. “Mesmo eles tendo, dentro do centros socioeducativos, algumas atividades de profissionalização, quando saem vão para outras atividades informais e precárias. A gente viu que há uma escassez, um vácuo entre a saída dele e as oportunidades”, comentou. 

A falta de informações sobre os adolescentes egressos do sistema socioeducativo também foi um desafio durante a pesquisa. Segundo Thiago de Holanda, “a gente foi a 1.013 endereços e só conseguimos aplicar 171 questionários. Não tinha endereço desse adolescente na base de dados do Estado, eles não estavam na base de dados da Educação, na de oportunidade, em lugar nenhum”. Ele ressaltou ainda que é preciso ofertar “oportunidade para esse adolescente para que ele não morra e que ele não volte a cometer atos infracionais, mas que ele tenha uma outra trajetória de vida segura e com oportunidades”. 

Outro dado identificado no estudo é sobre o retorno à escola após a medida socioeducativa. Segundo o coordenador do Comitê, somente dois em cada 10 adolescentes egressos do sistema voltam aos estudos. “Muitos já entram no sistema sem fazer as quatro operações de matemática, com um analfabetismo funcional. Então precisamos trabalhar a questão da educação [...] Cursos profissionalizantes que de fato incorporam, coloquem, incluam esse adolescente no mercado de trabalho, que dê dignidade a esse adolescente”, defendeu. 

Para a secretária da Cultura do Ceará, Luisa Cela, a temática deve ser tratada de forma transversal, não se restringindo aos campos da segurança pública ou dos direitos humanos. “A gente tem que se corresponsabilizar com esse processo de fortalecer e construir políticas que protejam essa população”, afirmou.

Entre as informações apresentadas, a secretária destacou o aumento da violência no interior do estado. Para ela, as políticas públicas devem estar cada vez mais presentes nos territórios marginalizados. “Enquanto a gente não entender que os jovens têm situações graves de vulnerabilidade, precisam de uma mediação para lidar com o território, com o trabalho, com as relações humanas, a gente vai seguir fracassando”, completou. 

Alessandra Félix, uma das cofundadoras do coletivo Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional do Ceará, reforçou que as pesquisas devem subsidiar formas de quebrar os ciclos de violência. Na avaliação dela, é preciso pensar as políticas públicas que devem ser aplicadas nos territórios. “Quais são as alternativas após o internamento? Essa é nossa luta. O que é esse pós-medida socioeducativa, visto que às políticas públicas de oportunidades não os alcançam quando saem do sistema?”, questionou. 

Após o lançamento da pesquisa, o Seminário Cada Vida Importa seguiu com rodas de conversa sobre cultura e experiências na periferia, com a participação da secretaria Luisa Cela, Zé Pretim, Dudu Suricati e outros. 

Apresentações culturais foram realizadas durante o evento - Foto: Máximo Moura / Alece

Além do bate-papo, os presentes puderam visitar a feira de oportunidades, dedicada a exposição de boas práticas e ações que geram oportunidades para jovens, organizada pelas entidades parceiras do seminário, além de apresentações culturais. 

O evento contou com a participação de representantes da Secretaria da Igualdade Racial do Estado, da Defensoria Pública do Estado do Ceará, da Superintendência de Atendimento Socioeducativo, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da Ordem dos Advogados do Brasil – secção Ceará (OAB-CE), do Sine/IDT, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca Ceará), entre outros. 

Confira abaixo a íntegra da pesquisa:

Edição: Geimison Maia 

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