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Audiência Pública na Alece debate situação territorial do povo Anacé

Por Guilherme de Andrade
16/12/2024 18:04

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- Foto: Máximo Moura

A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), por meio da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC), realizou nesta segunda-feira (16/12) audiência pública para debater a situação do território indígena Anacé, localizado na região metropolitana de Fortaleza. Durante a reunião, solicitada pelo deputado Renato Roseno (Psol), foi feito também o lançamento do Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, convenção n.º 169, desta comunidade.

Apesar de documentos históricos (duas cartas de sesmaria), laudos e relatórios científicos, a demarcação das terras do povo Anacé no território do Estado do Ceará ainda não avançou, lamentou Renato Roseno. Inclusive, de acordo com o parlamentar, essa comunidade sofre pressões por todos os lados: do latifúndio, da urbanização e do complexo industrial e portuário do Porto do Pecém, disse. 

“O povo Anacé é um dos poucos povos do Brasil que tem duas cartas de sesmaria de mais de 200 anos, que reconhecem o domínio do povo Anacé no território a oeste do que hoje é Fortaleza, se estendendo até a serra. Esses registros demonstram que o povo anacetaba já viviam ali desde o século 18 e até hoje não há demarcação das suas terras”, ponderou.

Como resultado dos debates, o deputado realizou dois encaminhamentos. O primeiro deles foi para a realização de uma reunião com a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), sobre a observância da convenção n.º 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A segunda, indicou uma visita a um dos territórios do povo Anacé. 

DEBATE

O professor Jonny Anacé, um dos representantes da comunidade na audiência pública, explicou que o Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado é um produto de uma legislação internacional da OIT. “Os povos indígenas ou comunidades tradicionais, através dos seus protocolos, deveriam ser escutados primeiro sobre a viabilidade de projetos de lei ou de qualquer ação que viesse a comprometer a sua vida, o seu povo ou o seu território”, explicou. 

Outro representante dos Anacés, o cacique Roberto Anacé, ressaltou que o Protocolo de Consulta Prévia “parte de um lado físico-material e adentra até o lado espiritual”. Ele lamentou, ainda, a falta de interesse da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e de outros políticos e órgãos do Ceará, nos processos do seu povo.

“Desde 2018 a gente vem lutando pela demarcação da nossa terra e em muitos desses processos a Funai diz que não se interessa. Alguns outros órgãos do Estado, e outros políticos, pouco se interessam por esses processos. Pior ainda, além de não se interessar, incentivam as invasões imobiliárias, invasões territoriais, invasões culturais e invasões industriais”, denunciou. 

 

Foto Dário Gabriel

Coordenadora do Instituto Verdeluz, Sarah Lima cobrou que o Protocolo de Consulta seja colocado em prática pela Justiça do Estado do Ceará. “A convenção 169 foi ratificada no Brasil há 20 anos. Então a gente precisa urgentemente colocar em prática e desenvolver novos mecanismos de proteção e inclusão do Protocolo nesses processos de licenciamento ambiental”, afirmou. 

Beatriz Araújo, presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará (OAB/CE), destacou a importância do Protocolo como instrumento de “visibilidade, de luta e de reconhecimento” dos povos indígenas. Ela ressaltou o comprometimento da OAB com a continuação do monitoramento dos processos de licenciamento e da cobrança para a realização da consulta prévia, porque “não é pelo fato de não existir uma terra demarcada que a gente deve deixar de cumprir o direito”, pontuou. 

Representante da Funai, Thiago Halley Anacé afirmou que realizar a demarcação do território indígena do povo Anacé é “algo que se faz urgente e necessário”. Ele ressaltou, ainda, que o assunto tem sido pontuado e apontado para a sede da instituição, localizada em Brasília, no Distrito Federal. Outro tema abordado foi a importância do Estado brasileiro e da sociedade como um todo entender e ampliar a noção do que é uma consulta livre, prévia e informada. “Não basta apenas confundir com audiência pública ou apenas ter um momento de conversa com a comunidade sobre isso”, ressaltou. 

A Secretaria dos Direitos Humanos do Estado do Ceará, através do representante Josivaldo Delfino, se colocou à disposição para atender as demandas do Povo Anacé. “Vocês podem contar conosco para que essa consulta seja de fato livre, seja de fato ampla e que também seja efetiva, seja flexível e que também vincule os órgãos e entidades envolvidas. As portas e as janelas estão sempre abertas para as demandas”, disse.

Najara Lima, da superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), explicou que “muitas vezes a consulta já inicia antes mesmo do processo iniciar na Semace, porque as empresas precisam ter um apoio das comunidades próximas”. Assim, ela ressaltou a disponibilidade do órgão em conversar com os povos indígenas para encontrar algo que “possa convergir”. “A Semace quer trabalhar com as questões sociais, muito além das questões ambientais”, debateu.   

Após realizar a demarcação física de três terras indígenas, o Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) trabalha em uma quarta área antes de partir para a comunidade do povo Anacé. Moésio Mota Braga afirmou que o sonho do órgão é terminar o atual mandato com todas essas questões resolvidas. “A gente está esperançoso de que as coisas melhorem e que a gente consiga avançar, consiga fazer a demarcação desses territórios, que são tão importantes para o povo do Estado do Ceará”, destacou. 

Procuradora de Justiça e ouvidora-geral do Ministério Público do Ceará (MPCE), Lorrane Molina revelou uma diretriz, lançada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que ressaltou a necessidade dos MPs buscarem assistir os povos indígenas quanto às suas necessidades. Portanto, ela se propôs a não só os ouvir, como também comparecer às tribos para conhecer as pendências dos “idosos, da saúde, da escola, da infância e juventude”. 

Também compuseram a mesa da audiência pública a pesquisadora, Luciana Nóbrega; a  representante do povo Anacé, Áurea Anacé; e Péricles Moreira, advogado do Escritório Frei Tito de Alencar (EFTA), da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Casa.

Edição: Clara Guimarães

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