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Números apontam avanço da violência que silencia e vitimiza mulheres

Por Bárbara Danthéias
08/03/2023 17:39 | Atualizado há 1 ano

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- Arte: Núcleo de Publicidade Institucional da Alece

O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, marca uma série de conquistas alcançadas pelas mulheres até então: o direito ao voto, que, no Brasil, aconteceu apenas em 1932; a sanção da Lei do Divórcio, que permitiu a dissolução do vínculo jurídico após o fim do casamento, em 1977; a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, e a aprovação da Lei do Feminicídio, que tornou hediondo o assassinato de mulheres em razão da discriminação de gênero, em 2015.

Mesmo com todos esses avanços, os indicadores de violência contra a mulher permanecem bastante altos. Somente em 2022, 19.407 mulheres foram vítimas de crimes previstos pela Lei Maria da Penha, conforme estatísticas da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp/SSPDS/CE).

Neste mês de celebração da luta pela emancipação feminina, a Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) busca responder ao seguinte questionamento: por que, apesar da constante implementação de políticas públicas voltadas para o combate à violência de gênero e para o fim da desigualdade entre homens e mulheres, a realidade permanece tão ameaçadora para a mulher?

Nesta primeira reportagem, trazemos dados estatísticos que elucidam para o leitor o cenário da violência de gênero no Ceará e no Brasil, bem como entrevistas com o secretário de Segurança e Defesa Social, Samuel Elânio, sobre as políticas públicas e ações focadas na prevenção à violência contra a mulher, e com o deputado Renato Roseno (Psol) sobre a proposta de criação do Dossiê da Mulher.

 

CASOS DE VIOLÊNCIA NO CEARÁ

Maria conheceu Marco Antônio na universidade, em 1974. Anos mais tarde, os dois se casaram e tiveram três filhas. Já durante o casamento, Marco demonstrava comportamento agressivo com a esposa e até mesmo com as próprias filhas. Com isso, o medo e a tensão passaram a fazer parte do cotidiano de Maria.

Até que, no ano de 1983, Maria foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco. Felizmente, ela sobreviveu e, após sofrer essas graves violências, enveredou numa luta por justiça, que acabou dando origem, em agosto de 2006, à Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha.

Essa lei hoje auxilia na visualização do atual panorama da violência de gênero no Brasil. Segundo indicadores da Supesp/CE, o Ceará registrou, entre 2015 e 2022, 161.488 vítimas mulheres pela Lei Maria da Penha.

Secretário de Segurança  e Defesa Social, Samuel Elânio - Foto: Cícero Oliveira / Ascom SSPDS - CE

Para prevenir a violência doméstica, o secretário da Segurança Pública do Ceará (SSPDS), Samuel Elânio, relata que a pasta está buscando fortalecer o Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), por meio do GAVV (Grupo de Apoio às Vítimas de Violência).

“Nesse grupo, a gente quer trabalhar a patrulha Ronda Maria da Penha. Com isso, a gente vai também tentar – via Academia Estadual de Polícia – difundir formas de tratar esse tipo de crime, de recepcionar, de saber lidar com a situação em todo o estado do Ceará. Então, qualquer policial do Estado teria capacidade e condição de tratar e recepcionar esse tipo de situação”, explica.

 

AUMENTO DA VIOLÊNCIA NOS FINS DE SEMANA

Dados coletados pela Supesp/CE apontam os dias da semana em que mais ocorrem casos de violência contra a mulher: 34,31% das vítimas sofreram violência no fim de semana. Já nos dias úteis, os casos possuem mais incidência na segunda-feira, com 15% do total de vítimas. O órgão também traz o percentual de casos por turno: cerca de 36,1% das ocorrências foram registradas no turno da noite, entre as 18 horas e as 23 horas, e 9,7% na madrugada, entre meia-noite e 6 horas.

Segundo o titular da SSPDS, a violência costuma ser mais acentuada no fim de semana devido à própria convivência entre homem e mulher. O maior consumo de bebida alcoólica ou até mesmo algum tipo de droga também acaba repercutindo na violência doméstica, conforme aponta Samuel Elânio. “Independentemente de dia e horário, até porque a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) atende 24 horas por dia, esse tipo de ocorrência vai ser direcionada para o Copac, e o Copac vai dar o devido atendimento a esse tipo de ocorrência”, assegura.

 

CAMPANHAS DE CONSCIENTIZAÇÃO

A região Sul do estado, que comporta a Região Metropolitana do Cariri (RMC) e municípios como Brejo Santo, Campos Sales e Missão Velha, concentra 14,13% do total de casos registrados entre 2015 e 2022, correspondendo a cerca de 23 mil ocorrências. O aumento do número de denúncias de violência doméstica, conforme Samuel Elânio, foi verificado após a realização de campanhas de conscientização na região.

“Sem sombra de dúvidas, é necessário manter essas campanhas e, ao mesmo tempo, trabalhar o aumento do efetivo de policiais na região, seja na Delegacia de Defesa da Mulher seja no atendimento 24 horas dessa delegacia, para que a gente consiga dar um atendimento diferenciado e direcionado para as mulheres vítimas de violência na região do Cariri”, destaca o secretário.

A região conta com uma unidade da Casa da Mulher Cearense – a primeira a ser instalada no interior do Estado, em Juazeiro do Norte – e com a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) do Crato.

O titular da SSPDS frisa ainda que as ações de combate à violência contra a mulher precisam ser articuladas com outras pastas – como a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) – e com os governos Federal e municipais, por meio dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).

“É um trabalho de várias mãos ao mesmo tempo -- não só do município, não só do Estado e não só do Governo Federal e demais órgãos que compõem o sistema de justiça – para que esse tipo de ação funcione rápido e de forma ágil e, assim, a gente consiga evitar o aumento do número de feminicídios”, pontua.

 

PANORAMA NACIONAL

A quarta edição da pesquisa “Visível e Invisível – a Vitimização de Mulheres no Brasil”, divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Datafolha, mostrou que, ao longo de 2022, 28,9% das mulheres relataram terem sido vítimas de algum tipo de violência ou agressão. O percentual corresponde a um universo de cerca de 18,6 milhões de brasileiras.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Datafolha 

Entre os tipos de agressão informados pelas entrevistadas estão violência física (11,6%), ofensas verbais (23,1%), perseguição (13,5%), ameaças de violências físicas (12,4%), ofensas sexuais (9%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%), lesão provocada por algum objeto que lhes foi atirado (4,2%) e esfaqueamento ou tiro (1,6%).

O levantamento trouxe ainda um dado inédito: quando questionadas sobre terem vivenciado violência provocada por parceiro ou ex-parceiro íntimo ao longo da vida, 33,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais afirmaram ter experimentado violência física ou sexual. Um percentual de 24,5% relatou ter sofrido agressões físicas como tapa, batida e chute, e 21,1% foram forçadas a manter relações sexuais contra sua vontade.

Outras formas de comportamento abusivo, como impedir a mulher de se comunicar com familiares ou amigos, foram assumidas por 12,9% das entrevistadas. Além disso, 9,8% tiveram acesso negado a assistência médica, comida ou dinheiro por ação de um parceiro ou ex-parceiro íntimo.

O levantamento possui abrangência nacional e inclui regiões metropolitanas e cidades do interior de diferentes portes, em todas as regiões do Brasil. As entrevistas foram realizadas no período de 9 a 13 de janeiro de 2023, em 126 municípios de pequeno, médio e grande porte. A amostra total nacional foi de 2.017 entrevistas, das quais 1.042 foram de mulheres entrevistadas. A margem de erro para o total da amostra nacional é de 2,0 pontos para mais ou para menos.

 

POLÍTICAS PÚBLICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS

Dados estatísticos são fundamentais para subsidiar a elaboração de políticas públicas. Por essa razão, o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alece, deputado Renato Roseno (Psol), e a ex-deputada Augusta Brito (PT) propuseram a criação do Dossiê Mulher, previsto no projeto de lei 445/2021.

A medida consiste na sistematização periódica de estatísticas sobre as mulheres vítimas de violência atendidas pelas políticas públicas sob responsabilidade do estado do Ceará. O Dossiê Mulher deverá conter, entre outros dados, estado civil, idade, raça, escolaridade, indicadores de acesso à renda e ao trabalho e número de filhos.

Deputado Renato Roseno (Psol) propõe criação do Dossiê da Mulher - Foto: Paulo Rocha

Segundo Renato Roseno, a propositura tem por objetivo permitir que a sociedade tenha acesso a informação de qualidade e possa cobrar uma política pública mais efetiva. O parlamentar ressalta ainda que esse diagnóstico é capaz de fornecer um bom mapa da situação, algo imprescindível para a elaboração de qualquer boa política pública.

Para ele, os vários tipos de violência – física, psicológica, sexual, patrimonial e moral – precisam ser sistematizados com dados das vítimas, para que os gestores possam elaborar políticas de prevenção, atendimento e também responsabilização.

“É possível prevenir a violência. Isso é importante a partir de um conjunto de atos que a política pública pode desenvolver para prevenir a violência. É necessário atender todas e quaisquer vítimas e também seus filhos, em especial, fazendo o acolhimento e a atenção psicossocial e jurídica, e é fundamental que o agressor seja responsabilizado dentro da lei”, frisa.

Na próxima reportagem da série produzida pela Agência de Notícias para discutir sobre a violência contra a mulher e a busca pela superação desse fenômeno, serão apresentados como é feito o atendimento às mulheres vítimas pelos diversos equipamentos públicos e pelo Poder Judiciário e onde essa vítima pode buscar ajuda.

A série conta com reportagens dos jornalistas Bárbara Danthéias, Gleydson Silva e Geimison Maia; fotos de Dário Gabriel e Marcus Moura; produção e edição de Clara Guimarães; revisão de Carmem Ciene e arte do Núcleo de Publicidade Institucional da Agência de Notícias.

Edição: Clara Guimarães

 

 

 

 

 

 

 

 

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