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Outubro Rosa – Descoberta e superação do câncer de mama em meio à pandemia

Por ALECE
11/10/2022 17:21

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Arte Núcleo de Publicidade/Alece com foto de José Leomar

O dia era 18 de março de 2020. Durante o banho, Socorro Muniz, servidora da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), à época com 58 anos, notou algo diferente enquanto ensaboava o seio direito. Era seu primeiro encontro com aquele que nomeou de “distinto”.

A data representa não só o início de uma luta desgastante, mas também o último dia de funcionamento da Alece antes do primeiro decreto de lockdown causado pela pandemia de Covid-19. A secretária da Comissão de Agropecuária de repente se viu sem qualquer possibilidade de consulta, uma vez que a ordem era fechar inclusive consultórios médicos. “Tudo começou a fechar, e eu não tinha como marcar qualquer consulta. Somente no início de julho consegui ser avaliada por um mastologista e realizar os exames”, relembra.

No exame, um tumor de nível 4 foi detectado, necessitando de uma punção para a classificação de risco do diagnóstico. “Fiquei desesperada, pois na época eu estava sem plano de saúde e já havia gastado muito com a consulta e os exames”, afirma. Porém ela foi aconselhada a procurar o Grupo de Educação e Estudos Oncológicos (Geeon), onde conseguiu o atendimento gratuito.

A punção foi realizada, confirmando o tão temido resultado. “Fui (receber o resultado) sozinha, porque não acreditava que seria algo grave. Há alguns anos, pequenos nódulos tinham aparecido no meu seio, mas com a cirurgia da redução de mama, o médico garantiu que eles desapareceriam. Era um assunto encerrado na minha cabeça. E aí recebo aquela notícia. Mas a ficha demora a cair. Eu esperava acontecer com qualquer pessoa, menos comigo”, confidencia.

No dia 21 de julho, Socorro iniciava o tratamento no Centro Regional Integrado de Oncologia (Crio), com suas primeiras sessões de quimioterapia. Apesar do acolhimento e do tratamento humanizado que recebeu, a vontade de desistir a rondava. “Entre a segunda e terceira quimioterapia eu ia chutar o pau da barraca. Gritei no meu quarto: ‘Senhor, eu não vou aguentar’! Não que o tratamento fosse doloroso, mas é invasivo. As sessões aconteciam, meu cabelo grande e encaracolado começou a cair. Tudo isso em meio à pandemia, fragilizada e precisando de um apoio, aconchego, uma palavra de olho no olho”, lamenta emocionada.

Em fevereiro de 2021, Socorro fez uma cirurgia para retirada do seio e uma série de radioterapias. “Quando eu retornei ao Dr. Márcio Marcondes para mostrar minha mamografia fui chamada de milagre. Ele comparava meus dois exames tentando entender, pois o ‘distinto’ era grande e palpável. Quem está aqui é um milagre”, comemora.

Uma experiência difícil em que o cuidado com a saúde mental foi fundamental, lembra ela. “Sou uma mulher alegre, mas havia uma briga interna para que eu não entrasse em depressão. Minha força foram meus filhos e minha netinha. Mas eu venci e quero pedir a todas as mulheres que se cuidem. Não deixem para depois, não façam como eu fiz. Primeiro a gente precisa se amar, e a mulher que se ama se cuida”, defende.

Entre 2019 e 2021, o número de casos registrados de câncer de mama no Ceará apresentou uma leve queda: passou de 2.333 diagnósticos em 2019 para 2.197 em 2021, segundo dados da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Na primeira matériada série, foi apontada uma queda relevante no número de mamografias ao longo dos últimos anos, em especial durante a pandemia.

Uma mudança também sutil pode ser identificada na taxa de mortalidade de mulheres, só que no sentido contrário: um crescimento de 5,58 óbitos em cada grupo de 100 mil pessoas em 2011 para 6,37/100 mil habitantes em 2020, de acordo com o Atlas de Mortalidade do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

SOBRE O CÂNCER DE MAMA

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é a primeira causa de morte por câncer na população feminina em quase todas as regiões do Brasil, com exceção do Norte.

O médico Luiz Porto, professor do Departamento de Medicina da UFC e presidente do Grupo de Educação e Estudos Oncológicos (Geeon), aponta alguns fatores que favorecem o desenvolvimento do câncer de mama, como alcoolismo, obesidade e sedentarismo. “Mas o fator que aumenta mais (o risco) é a expectativa de vida. Entre 1950 e 2000, nós quase dobramos a expectativa de vida da população brasileira. Quando a mulher envelhece, ela corre mais risco de ter câncer”, comenta. Ele ainda ressalta que o perfil principal das mulheres com câncer de mama no Ceará é de jovens e com tipos mais agressivos da doença.

Apesar de ter menor peso nas estatísticas da doença, os fatores genéticos também contribuem. “Nós temos mais ou menos dois mil genes no nosso genoma, dos quais, 80 são associados ao câncer de mama, com maior ou menor impacto. Desses, nós estudamos quatro deles, que são usados para o planejamento do tratamento”, explica o médico.

Segundo Luiz Porto, esse conhecimento tem permitido, inclusive, avanços nos tratamentos, que são adaptados de acordo com o perfil genômico do paciente, apresentando melhores resultados. “Felizmente, a medicina evoluiu e gerou várias drogas muito efetivas para o câncer de mama. Nós hoje conseguimos controlar a doença em mais de 70% dos casos”, celebra. O médico complementa que as cirurgias também têm sido cada vez menos invasivas, inclusive com número menor de mastectomias (retirada das mamas).

Além do Geeon, também são referência no tratamento gratuito ao câncer de mama no Ceará os hospitais Geral de Fortaleza (HGF) e Geral César Cals (HGCC), o Instituto do Câncer do Ceará (ICC), a Santa Casa de Sobral, entre outros. “O tratamento oncológico nas unidades especializadas é realizado por equipes multidisciplinares, com apoio de psicólogos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais”, afirma a Sesa em nota.

Já a Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), informa que também são centros de referência na capital o Centro Regional Integrado de Oncologia (CRIO) e os hospitais Cura D’Ars, Haroldo Juaçaba e Universitário Walter Cantídio (Ebserh/UFC).

PESQUISA QUILOMBOLAS

O Grupo de Educação e Estudos Oncológicos (Geeon) vai iniciar, no próximo ano, levantamento com mulheres que moram em quilombos cearenses para investigar se há mutações genéticas que façam com que desenvolvam câncer de mama agressivo.

De acordo com o presidente do Geeon, prof. Luiz Porto, a ideia da pesquisa surgiu a partir de uma paciente do quilombo dos Caetanos, em Tururu, que narrou que a mãe e duas irmãs morreram de câncer de mama. A paciente acabou morrendo, e o caso despertou a atenção da equipe, que passou a observar situações semelhantes em mulheres negras de um quilombo de Maranguape que também buscavam atendimento.

Ao ser feita a análise genética dos tumores, foram observadas as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, que predispõem o desenvolvimento do câncer. O primeiro tipo foi o mesmo identificado na atriz norte-americana Angelina Jolie, o que a levou a fazer uma retirada preventiva das mamas.

Uma hipótese da equipe é de que esses genes estavam presentes nas mulheres negras trazidas da África e escravizadas no Estado. “Nós vamos agora aos 40 quilombos do Ceará na tentativa de rastrear o câncer de mama nessas mulheres que estão tendo esses tumores tão precocemente”, explica Luiz Porto. O projeto vai receber um financiamento de mais de R$ 3 milhões por ter sido um dos escolhidos em edital lançado pelo Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon).

BANCO DE TUMORES E APLICATIVO

O Geeon também vai montar um banco de tumores de pacientes com o objetivo de subsidiar pesquisas sobre a doença. O grupo ainda trabalha no desenvolvimento de aplicativo para auxiliar agentes comunitários de saúde a identificarem mulheres com câncer de mama ou com possibilidade de desenvolver a doença por meio de um questionário com 15 perguntas. “O aplicativo calcula qual é o risco de aquela mulher ter câncer e orienta o que cada agente deve fazer de acordo com o padrão calculado”, esclarece Luiz Porto.

DOAÇÔES

Criado em 1992, o Geeon nasceu com o objetivo de informar e capacitar profissionais da saúde e educação com o objetivo de conscientizar sobre o câncer de mama. O local oferece um serviço de acompanhamento e tratamento aos pacientes, com médicos, exames e atendimento multiprofissional.

“Nós damos uma média de 150 diagnósticos de câncer por ano. No mês de outubro, nós fazemos uma média de mil mamografias. É um dos maiores serviços de rastreamento de câncer de mama no País”, ressalta Luiz Porto. A instituição oferta, inclusive, exames que não são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como a ressonância magnética da mama.

Para realizar esse trabalho, além dos recursos repassados pelo SUS, o Geeon também recebe doações, que são responsáveis por um terço do financiamento. As doações podem ser feitas por depósitos bancários, PIX, vaquinhas virtuais, doações de notas fiscais e por meio da conta de energia. Confira o trabalho do Geeon e saiba quais os meios de doação nos canais no YouTube e Instagram.

Leia na próxima matéria da série sobre os direitos e benefícios assegurados às pessoas com câncer de mama.

LA/GE/CG


 

 

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