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Empreendedores negros cobram políticas públicas efetivas de incentivo em audiência na Alece

Por Juliana Melo
22/08/2025 17:23 | Atualizado há 2 horas

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Audiência pública foi realizada no Complexo de Comissões Técnicas da Casa - Foto: Paulo Rocha / Alece

As comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público (Ctasp) e de Defesa e Direitos da Mulher (CDDM) da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) realizaram, na tarde desta sexta-feira (22/08), audiência pública para tratar sobre o financiamento e a justiça social voltados à economia negra no Estado, bem como ampliação do debate sobre a criação de oportunidades de renda para essa população.

A Alece promoveu a audiência a partir de requerimento apresentado pelo deputado Missias Dias (PT), que informou que a audiência ocorreu em parceria com o III Seminário da Economia Negra do Ceará, organizado pela Associação de Afroempreendedorismo e Cultura Feira Negra de Fortaleza. O parlamentar defendeu  a necessidade urgente de políticas públicas para o afroempreendedorismo e lembrou que os negros ainda enfrentam as marcas do racismo e as dificuldades de acesso a direitos. 

Deputado Missias Dias (PT) foi o autor do requerimento para a realização da audiência pública - Foto: Paulo Rocha / Alece

"O afroempreendedorismo trata sobre autonomia, reparação histórica e oportunidade para negros, especialmente para aqueles que vivem nas periferias. Ainda temos muitas dores inviabilizadas, perseguição, discriminação. É por isso que vamos fazer essa audiência: para buscar diminuir essas injustiças, porque somos iguais; mas, para que isso aconteça, precisamos reafirmar isso, inclusive nesta Casa", frisou.

Missias Dias citou entre os encaminhamentos do debate: ampliar diálogo com o Governo do Estado e com as prefeituras sobre o tema; propor o uso de recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop) para incentivar os empreendedores negros; unificar as feiras negras em uma data específica para fortalecer as iniciativas e dar maior visibilidade; constituir um grupo de trabalho para discutir a formação de uma frente parlamentar para tratar sobre o tema. 

Para a cofundadora e coordenadora da Feira Negra, Nenzinha Ferreira, discutir a economia negra na Alece é um marco e precisa se tornar uma rotina. Ela informou que a Feira Negra foi criada há seis anos, por necessidade de muitos empreendedores que precisavam escoar sua produção. 

Nenzinha cobrou uma ação permanente para incentivar os empreendedores e discutir esse tema também dentro do recorte racial, com capacitações feitas para e por pessoas negras que vivenciam os mesmos desafios. "Quando a gente fala sobre política de geração de renda, a gente está falando sobre direitos […] Esse é o momento da gente se reunir e se organizar para discutir uma política ampla sobre geração de renda para a população negra", avaliou. 

A empreendedora ainda sugeriu que os produtos dos empreendedores negros sejam incluídos dentro dos roteiros turísticos do Estado. "Nós precisamos pensar nessas pautas, que não podem acontecer sem o compromisso de todos que estão nessa construção da geração de renda peara a população negra", concluiu. 

Debate foi acompanhado por afroempreendedores e representantes da sociedade civil - Foto: Paulo Rocha / Alece

UNIÃO E DIÁLOGO

A importância de fomentar a união e o diálogo entre os empreendedores negros foi um dos destaques feitos pelo educador social e gestor de uma barraca, Alécio Fernandes. Ele acrescentou a necessidade de oferecer também educação financeira para os jovens e, em vez de “romantizar o empobrecimento”, promover a emancipação, as capacitações.

Membra do coletivo Feito Por Mulher, Anagélia Ferreira lembrou a luta dela e as evoluções que vê no trabalho de empreendedores negros. Ela ressalta que os empreendedores buscam incentivar uns aos outros a fim de fazer uma economia diferente, solidária, circular, criativa. "A gente está ressignificando vidas lá dentro do nosso território, com os recursos que a gente tem. Todo mundo tem talento. A gente quer mostra o que a gente tem de melhor", pontuou.

De acordo com a representante do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Ceará (Sebrae Ceará), Cibele Girão Guedes, 52% dos empreendedores brasileiros são negros e existe uma geração de R$ 2 trilhões anuais por meio dos negócios dessa população. “A gente precisa ter um olhar diferenciado para o empreendedorismo negro, porque as dificuldades são diferentes dos outros empreendedores”, afirmou. Ela revelou ainda que “o empreendedor negro tem 57% do seu acesso ao crédito negado, frente ao empreendedor branco que tem 34% desse financiamento negado”.

Cibele Girão acrescentou ainda que há maior dificuldades de acesso à educação empreendedora por parte da população negra e que mulher negra ainda passa por maiores dificuldades. Ela sugeriu ainda que a educação empreendedora seja oferecida desde as escolas e que o diálogo entre o poder público e a sociedade civil seja permanente para buscar melhores condições para os empreendedores negros.

A secretária executiva de Igualdade Racial, Mártir Silva, parabenizou a realização da audiência e destacou a necessidade de atualizar o debate político, com a percepção de que a economia negra não pode ser descolada de uma compreensão histórica do racismo e do colonialismo que se constituiu na formação social brasileira. 

Ela ressaltou ser urgente atuar com uma perspectiva de incluir as pessoas negras em oportunidade de trabalho e renda. “O racismo colocou os povos originários e o povo negro em uma condição de diferença e desigualdade. A igualdade e o combate ao racismo estão longe de ser uma questão identitária; passa a ser uma questão fundamental para pensar o Brasil e o Ceará e para a construção de uma sociedade minimamente ancorada na justiça social”, declarou.

Segundo o coordenador da lgualdade Racial de Fortaleza, Andre lsaac Santos de Sousa, a formação histórica do Brasil é fortemente embasada na exploração do trabalho humano, principalmente, com a escravização dos povos africanos. Ele lembrou que cerca de 12 milhões de pessoas foram sequestradas de seu continente originário e que pelo menos cinco milhões foram trazidas para o Brasil. “O Brasil recebeu quase metade de todos os escravizados ao longo de quase 400 anos de história da escravidão. O Brasil se constrói em cima da exploração do trabalho das pessoas negras”, criticou. 

Ele afirmou também que é necessário pensar na perspectiva de inclusão. "A gente tem que ter uma política pública ampla, que pense a população negra de maneira a ser projetada para a frente. Tem que ter um projeto efetivo, que inclua as pessoas e não seja uma coisa somente de sobrevivência. Isso tem que estar dentro do orçamento", cobrou. 

Também participaram da audiência pública a vereadora de Fortaleza Mariana Lacerda; representante da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), Joyce Ramos; o representante do Instituto Juventude e lnovação-IJI, Rogério Babau; o diretor de Politicas de Superação e Combate ao Racismo do Ministério da lgualdade Racial, Francisco Nonato do Nascimento Filho; e a integrante do coletivo Casa de Chica, Neide Rodrigues. 

Ao final da audiência pública, o deputado Missias Dias homenageou, com a entrega de certificados e em reconhecimento às suas contribuições a Rede de Mulheres Negras do Ceará, o Sebrae Ceará; a Cearte; o ISI; o Núcleo de Africanidades Cearenses da UFC; o Movimento Negro Unificado Estadual; o Movimento Negro Unificado Municipal; o Ateliê Colaborativo Feito Por Mulher; a Casa de Chica; a Barraca Foi Sol; a Caravana Cultural; o Fórum de Baianas de Acarajá; a Feira Negra; e os artistas e representantes de religiões de matriz africana.

Confira a íntegra da audiência pública:

Edição: Geimison Maia

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