Relatório sobre o sistema socioeducativo aponta precariedade na estrutura de atendimento
Por Juliana Melo12/12/2023 19:21 | Atualizado há 4 semanas
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Nesta terça-feira (12/12), a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), realizou audiência pública para apresentação do 5° relatório do monitoramento do Sistema Socioeducativo Cearense. A reunião foi solicitada pelo Fórum Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Fórum DCA).
O relatório é resultado de pesquisa realizada em 18 unidades socioeducativas do Ceará pelo Fórum DCA, pelo Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE).
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, deputado estadual Renato Roseno (Psol), o Estado não pode investir apenas na privação da liberdade, mas também na socioeducação. "Melhorando a socioeducação, melhora para o socioeducando, para suas famílias, para a comunidade e para toda a sociedade. Isso não interessa só a especialistas, interessa a todos nós", pontuou. O deputado também defendeu a criação de um órgão exclusivo para a gestão do sistema socioeducativo.
Alguns números da pesquisa foram destacados pela representante do Fórum DCA, Fernanda Naiara. Ela esclareceu que a pesquisa buscou analisar os direitos que estão sendo acessados, e contou com uma equipe com diferentes especialistas, pesquisadores, profissionais das unidades e familiares, valorizando de forma importante o olhar da família do socioeducandos.
Em relação a infraestrutura, 78% unidades são consideradas inadequadas, possuem condições insalubres em dormitórios , com relatos de ambientes sujos, úmidos, com bichos. Também foi exposto que há restrição do uso de água, de kits de higiene e medida disciplinares com restrição da visita familiar. Adolescentes relatam que passam o dia inteiro sem atividade e dentro dos dormitórios, informou. “Isso leva a gente a questionar o que nesse espaço tem de pedagógico?”
A representante do Cedeca, Ingrid Lorena da Silva, informou que o problema da superlotação não foi mais identificada, “o que é um avanço, porém há grandes desafios em outros temas”, pontuou.
Ela citou dados sobre saúde mental e considerou os resultados alarmantes. E apontou que a dinâmica da unidade tem gerado adoecimentos e destacou ociosidade, infraestrutura insalubre, escassez de atendimento psicossocial como alguns dos potencializadores desse problema.
A pesquisa revelou que a principal demanda de saúde é relativa a transtornos psíquicos , seguido de problemas respiratórios. Ela declarou que 78% dos profissionais relataram que ocorreram tentativas de suicídio ou ideação suicida dentro das unidades. Dos adolescente ouvidos, 43% relataram ter pensamentos suicidas e mais de 40% relataram já terem se autolesionado. E 94% do centros apresentam adolescentes fazendo uso de medicação psiquiátrica, enquanto esse valor era 67% em 2017.
Com relação a educação, foi relatado que todas as unidades localizadas em Fortaleza só ofereciam EJA – Ensino Fundamental, o que é uma violação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Sobre o acesso à escola formal, 40% dos adolescentes entrevistados informaram que não estavam estudando; apenas 36,7% informaram freqüência de cinco dias a aulas.
Também foi revelado que 58% dos adolescentes entrevistados informaram ter sofrido algum tipo de violência dentro das unidades; 13 centros afirmam que há denúncias de situações de violência praticada pelos socioeducadores; 14 centros não têm formação sobre gerenciamento de crises e conflitos. Há ainda denúncias de revistas consideradas vexatórias, com desnudamento e agachamento, em 12 das 18 unidades.
A representantes do Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional, Claudelane Morais, explicou que um de seus filhos foi interno de um centro socioeducativo há cerca de 10 anos, e que ele relatava goteiras e até esgoto nos dormitórios, além de falta de estrutura básica. Segundo a ativista, essa mesma realidade continuava existindo em 2022. "São espaços que adoecem. Não basta jogar um adolescente num centro socioeducatido para cumprir uma medida", frisou.
Ela também relatou que muitas famílias têm dificuldade para visitar os adolescentes por falta de recursos e cobrou que adotada alguma medida para facilitar a visita e garantir a manutenção do vínculo dos adolescentes e seus familiares.
Para o juiz da 5ª vara da infância e juventude, Manoel Clístenes, embora o sistema socioeducativo não enfrente problemas com superlotação, há outros desafios que se apresentam no contexto da atuação do crime organizado. "Se por um lado houve mudanças, por outro lado, o perfil do adolescentes ficou bem mais difícil de ser trabalhado. Os espaços são limitados, a equipe é limitada e as atividades não podem envolver um número maior de adolescentes ao mesmo tempo, sob pena de haver risco para a segurança do centro socioeducativo. Esse eu considero o maior desafio para a socioeducação do Ceará para os próximos anos", afirmou.
Segundo o superintendente estadual do Sistema Socioeducativo do Ceará, o corregedor Carlos Nunes de Sena, alguns dos problemas apresentados devem apresentar melhorias, pois está previsto um concurso público e que o edital sairá assim que as questões burocráticas forem resolvidas.
A coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), juiza Luciana Teixeira, informou que o GMF instituiu um grupo de trabalho sobre saúde mental socioeducativo, que deve iniciar suas reuniões em janeiro do próximo ano.
Também participaram da audiência pública a representante do Ministério dos Direitos Humanos, Mayara Souza; perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Rogério Duarte; representante da Secretaria de Educação de Fortaleza, Otílio Diógenes coordenadora geral Cedeca, Mara Carneiro e a defensora pública do Estado, Luciana Amaral.
Edição : Clara Guimarães
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