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Em debate na Alece, estudiosos pedem mais transparência sobre uso de reconhecimento facial

Por Davi Holanda
16/04/2024 21:24 | Atualizado há 1 mês

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- Foto: Dário Gabriel

O uso de tecnologias de reconhecimento facial aplicadas na segurança pública do Ceará e do Brasil foi discutido durante audiência pública realizada na tarde desta terça-feira (16/04), pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), por meio da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC).

Autor do requerimento que propôs o debate, o deputado estadual e presidente da CDHC, Renato Roseno (Psol), destacou que este é o início de uma discussão mais ampla sobre direito à imagem, à informação e à transparência. 

De acordo com ele, o estudo conduzido pelo Panóptico, projeto do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC), que monitora a adoção de novas tecnologias pelas instituições de segurança pública no Brasil, revelou a falta de transparência em torno da implementação dessas tecnologias no estado.

“Esse debate não é simples, haja vista que há, inclusive, situações que envolveram pessoas inocentes, como foi o caso do homem que denunciou ter sido abordado de forma constrangedora pela Polícia Militar durante uma partida de futebol em Aracaju, após reconhecimento facial de câmeras de segurança”, informou. 

Renato Roseno destacou ainda que esse tipo de tecnologia vem sendo utilizada na segurança pública do Ceará desde 2019 em uma parceria entre a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e o Laboratório de Processamento de Imagem, Sinais e Computação (Lapisco) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). 

DISCUSSÕES

Pablo Nunes, coordenador do projeto “O Panóptico: Monitor de Novas Tecnologias na Segurança Pública do Brasil”, pontuou que o projeto divulgou seu primeiro relatório de trabalho em 2019, ano em que também foi registrada a primeira prisão com uso de reconhecimento facial no país. 

“Essa prisão aconteceu no estado da Bahia, durante o período carnavalesco. No final daquele ano, a gente conseguiu monitorar mais 184 prisões com o uso dessa tecnologia”, informou.

A região Nordeste, segundo ele, possui atualmente 31 projetos ativos que utilizam técnicas de reconhecimento facial, estando em Pernambuco a maior concentração desses projetos (oito no total). Em relação ao número de pessoas potencialmente vigiadas, o Nordeste possui mais de 16,7 milhões, com o estado da Bahia liderando o ranking (quase 7,7 milhões).

Pablo Nunes observou ainda que, em 2022, houve uma grande expansão do uso de reconhecimento facial no país. Entretanto, de acordo com ele, o processo de regulação e legislação dessa tecnologia não tem acompanhado esse crescimento. 

“Existe hoje no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais que produz algumas regulamentações legais para a coleta e tratamento desses dados, mas essa legislação retira a segurança pública e a defesa nacional do rol de áreas a serem reguladas pela LGPD. Isso precisa ser revisto”, reverberou. 

Helena Martins, pesquisadora e professora do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), divulgou sua pesquisa intitulada “Da Construção de uma Infraestrutura de Vigilância à Introdução do Reconhecimento Facial no Ceará”, realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom) da UFC.

Segundo ela, mais de R$ 500 milhões já foram gastos na implementação de uma infraestrutura de vigilância integrada no Ceará. Entretanto, até o momento, o governo do Estado nega a utilização do reconhecimento facial para fins de segurança pública. 

Helena Martins destacou ainda que essas tecnologias geram preocupações significativas relacionadas não só à privacidade dos cidadãos, mas também aos riscos de acelerar o encarceramento em massa.

A professora falou ainda sobre a falta de transparência do Estado do Ceará em relação ao fornecimento de dados sobre a utilização de tecnologias de reconhecimento facial aplicadas em suas ações. 

“Através de uma análise detalhada da legislação, contratos e entrevistas com agentes públicos, a pesquisa enfrentou falta de respostas às solicitações de informação, o que caracteriza uma contradição entre vigilância e transparência”, considerou. 

Claudio Aleff Ramos dos Santos, representante do Movimento Negro Unificado (MNU), falou a respeito do racismo algorítmico que, segundo ele, “é o módulo como atualmente algumas tecnologias digitais de informação e comunicação reproduzem e potencializam o racismo”. 

Ele apresentou ainda dados da Rede de Observatórios de Segurança, que revelaram que 90% dos presos por monitoramento facial no Brasil são negros. “Esse dado nos faz pensar como essas tecnologias, que deveriam proteger e trazer justiça, vem fazendo justamente o oposto e, muitas das vezes, cometendo injustiças”, enfatizou. 

O QUE DIZEM AS AUTORIDADES

Francisco Ângelo Cunto Gurgel Filardi, secretário executivo de Inteligência e Defesa Social da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), apresentou diferenças entre o monitoramento por vídeo e o reconhecimento facial. 

De acordo com ele, o monitoramento por vídeo é realizado por aparelhos eletrônicos e usado de forma efetiva na redução da criminalidade. Ele revelou que entre 2022 e 2023, os latrocínios no estado do Ceará reduziram 45% por meio do uso dessa tecnologia.

Já o reconhecimento facial utilizado pelas forças policiais do estado do Ceará tem um caráter totalmente humano, segundo o secretário. Ele informou que é utilizada uma foto do indivíduo foragido para localizá-lo, e que o reconhecimento é feito pelo olhar dos próprios policiais.

Nabupolasar Alves Feitosa, superintendente da Superintendência de Pesquisa e Estratégia em Segurança Pública (Supesp), destacou que a segurança pública estadual tem zelo e responsabilidade com o cidadão, e que não existe uma “sede de encarceramento” por parte das corporações. 

“Existem, ao todo, cinco fases necessárias para identificar se o indivíduo é realmente o autor do delito, que envolve policiais que estão na rua e profissionais especializados e treinados para reconhecer os autores das infrações. É necessário que o suspeito tenha, pelo menos, 90% de semelhança com o que temos no nosso banco de dados”, assinalou.

Também compuseram a mesa da audiência Katiele Ferreira, pesquisadora da UFC; e Júlio César Nogueira Torres, diretor geral da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce).

Edição: Clara Guimarães

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