Denúncias de tortura e assédio em unidades prisionais são apontadas em audiência
Por Davi Holanda02/10/2023 20:36 | Atualizado há 1 ano
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A necessidade da criação de políticas públicas de combate à tortura nas unidades prisionais do estado do Ceará foi discutida durante audiência pública, na tarde desta segunda-feira (02/10), na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), realizada por meio da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC). O debate foi solicitado pelo presidente da Comissão, Renato Roseno (Psol), subscrito pelos deputados De Assis Diniz (PT) e Missias Dias (PT).
Durante o debate, inúmeras denúncias tanto de entidades que atuam no sistema carcerário como de policiais penas foram apresentadas e encaminhamentos aprovados. O deputado Renato Roseno afirmou que irá solicitar ao Governo do Estado, por meio da Secretaria de Direitos Humanos, a abertura de um canal de diálogo para que essas denúncias sejam levadas pelas entidades presentes à audiência.
Segundo Roseno, as denúncias de torturas, tratamentos cruéis e outras violações de direitos humanos dentro do sistema prisional cearense sempre foram recorrentes, tendo se intensificado nos últimos meses. “As denúncias de tortura e tratamento desumano aos internos têm gerado profunda preocupação na sociedade civil”, alertou.
“É importante ressaltar que o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizaram inspeções nas unidades prisionais cearenses nos anos de 2019 e 2021. Ambas constataram inúmeras práticas de tortura, bem como condições precárias da arquitetura prisional e falhas no sistema de justiça, todas registradas nos relatórios produzidos”, completou.
O deputado estadual Queiroz Filho (PDT) destacou que além da problemática que envolve as denúncias de tortura contra detentos em unidades prisionais do Ceará, o sistema penitenciário estadual enfrenta ainda discordâncias com os policiais penais.
“Além das denúncias de tortura que recebemos por parte dos familiares de detentos, também recebemos aqui na Alece uma manifestação dos servidores que fazem a secretaria de Administração Penitenciária do Estado. Ou seja, algo de muito errado está acontecendo, pois temos um grupo de servidores insatisfeitos e reclamando, e temos também uma série de denúncias gravíssimas que são apresentadas e que tem como alvo os detentos”, salientou.
DISCUSSÕES
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Foto: Dário Gabriel
De acordo com Marina Araújo, presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Ceará, em 2023, o Ceará recebeu a visita do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que trouxe à tona constatações de que mais de 72 pessoas aprisionadas na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO II) estavam com graves evidências de tortura física e psicológica.
Ainda de acordo com ela, em 2021, a OAB e várias entidades da sociedade civil elaboraram um censo da população carcerária cearense, e atestaram que 94% das mulheres que estavam presas naquele momento eram negras.
“Já em relação aos homens, mais de 60% dos presos também eram negros. Dessa forma, percebemos o quanto essa política é racista e continua colocando a violação de direitos humanos para essa população, que já sofre com a violência urbana e institucional”, completou.
Jefferson Franklin Nascimento Vitoriano, representante da Pastoral Carcerária, defendeu a criação de uma Frente de Fiscalização nas unidades prisionais cearenses, para que sejam identificados indícios de tortura em pessoas privadas da liberdade.
“A nossa Pastoral luta todos os dias para que nós tenhamos sempre a garantia da lei e a sua devida aplicação. Se a pessoa está cumprindo por um crime que cometeu aqui fora, não pode ser penalizada além da lei. Porque ele já está lá para cumprir”, pontuou.
Alessandra Félix, representante da Comissão Temática de Privados de Liberdade, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH/CE), salientou que a Comissão de Direitos Humanos da Alece ouviu mulheres que possuem familiares encarcerados em unidades prisionais cearenses. “Ao ouvi-las, as mulheres não relataram tanto as questões da tortura física, deram ênfase principalmente a questão da tortura psicológica, que é algo que a gente tem acompanhado com muita preocupação. Além disso, elas elencaram questões como a alimentação de baixo teor nutricional dentro das unidades prisionais, as visitas que não estão ocorrendo no seu horário de permanência, a situação dos presos provisórios, redutores de velocidade lá pra BR, falaram muito sobre as visitas vexatórias, o retorno das visitas íntimas, que é um grande pedido dessas mulheres, entre outras demandas”, frisou.
Naira Filgueira, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE, apontou que o órgão recebe denúncias que vão desde questões individualizadas até questões coletivas.“Além da tortura física, também se configuram como práticas de tortura a ausência de alimentos, a falta de acesso à justiça, falta de acesso à saúde, a tortura psicológica e também quando ocorre a violação de outros direitos fundamentais. Tudo isso pode se configurar como práticas de tortura”, salientou.
Para Joélia Silveira Lins, presidente do sindicato dos Policiais Penais do Estado do Ceará, é preciso que a sociedade civil pare de considerar o policial penal a partir de lógicas preconceituosas e criminalizadas.
“Não somos criminosos, somos parte da solução. Parece que a lógica desses gestores é tratar seus servidores como problema, e podemos ver isso através de práticas de assédio institucional e em declarações disfarçadas de propagandas oficiais. E os encarcerados não são nossos aliados, mas são pessoas as quais temos responsabilidade profissional de cuidar de sua execução da pena, resguardar e caminhar para sua ressocialização. Nem mais, nem menos. Mas nada vai mudar se a atual gestão continuar tratando tudo e todos da forma como está tratando”, assinalou.
ENCAMINHAMENTOS
Entre os encaminhamentos apresentados na audiência, esta a proposta de um projeto de lei que institua o sistema estadual de prevenção e combate à tortura e cria o mecanismo estadual; a criação de fluxos e procedimentos de prevenção e combate à tortura, de acordo com o Protocolo de Istambul; plano emergencial de protocolo e apuração efetiva das denúncias com controle social; garantia do acesso à informação as famílias sobre os internos do sistema; regulamentação das câmaras corporais dos policiais penais garantindo MP e Defensoria como órgãos fiscalizadores com acesso, em tempo real, das imagens coletadas; diálogo interinstitucional com vistas à proposição de um TAC com base nas recomendações do relatório do CNJ.
Também compuseram a mesa da audiência Ana Carolina Nunes, representante da Frente Estadual pelo Desencarceramento; Juiz Raynes Viana de Vasconcelos, titular da 1ª vara de Execução Penal de Fortaleza; Nelson Gesteira, promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE); Vicente Alfeu Teixeira Mendes, secretário executivo da CGD; Victor Matos Montenegro, defensor e assessor de Desenvolvimento Institucional da Defensoria Pública do Ceará; e Antônio Augusto Gurjão, vice-presidente da Comissão de Direitos Penitenciários da OAB/CE.
Edição: Clara Guimarães
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