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Direto à memória, verdade e reparação é defendido em debate sobre os 60 anos do golpe militar

Por Geimison Maia
08/04/2024 18:28 | Atualizado há 3 semanas

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- Foto: Dário Gabriel

A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, por meio do Memorial Deputado Pontes Neto (Malce) e em parceria com a Escola Superior do Parlamento Cearense (Unipace), realizou, na tarde desta segunda-feira (08/04), roda de conversa com o tema ''60 anos do golpe militar no Brasil: lembrar para que não se repita''. 

O coordenador do Malce e mediador da roda de conversa, Paulo Roberto Nunes, ressaltou que “a iniciativa tem como objetivo relembrar as violações de direitos realizadas pelo regime antidemocrático”. Na avaliação dele, os impactos dessas ações reverberam até os dias atuais. 

Paulo Roberto ainda destacou como a Alece foi impactada neste período. Logo nos primeiros dias após o golpe, seis parlamentares da Casa tiveram os mandatos cassados em 10 de abril de 1964: Raimundo Ivan, José Pontes Neto, Amadeu Arrais, José Fiúza Gomes, Aníbal Fernandes Bonavides e Blanchard Girão. Após as formalidades das cassações serem realizadas, todos foram presos no 23° Batalhão de Caçadores. Ainda em 1964 e anos posteriores, outros 12 deputados foram cassados. 

Durante a roda de conversa, foram rememorados fatos históricos e relatos de vítimas da repressão da ditadura civil-militar brasileira. Entre eles, o do professor Valter Pinheiro, ex-preso político e militante no Comitê pela Memória, Verdade e Justiça no Ceará. Ele contou toda a história de militância, que começou no Liceu do Ceará, antes mesmo da instauração da ditadura brasileira. Durante o curso científico (hoje ensino médio), participava de mobilizações locais, como protestos contra aumentos de passagens de ônibus e por melhorias na educação. Neste período, conheceu frei Tito de Alencar, então coordenador regional da Juventude Estudantil Católica (JEC).

Depois, enquanto estudante de Letras na Faculdade de Filosofia do Ceará, entrou no Movimento Comunista Internacionalista (MCI) e, por essa razão, foi preso pela primeira vez em 1971, sendo levado ao 23º Batalhão de Caçadores (23º BC) do Exército Brasileiro para interrogatórios. No local, ficou cerca de um mês, sendo também vítima de espancamentos. “O MCI não estava na luta armada, era uma organização pequena e local, mas a gente tinha muita leitura e discussão e fazíamos algumas ações em Fortaleza e cidades do interior do Ceará”, explicou. 

Após deixar o MCI, Valter Pinheiro integrou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Em 1973, foi preso pela segunda vez e levado para a então sede da Polícia Federal. Durante a noite, ele e outros presos políticos eram conduzidos encapuzados para um casarão em Maranguape, que ficou conhecido como Casa dos Horrores, por ser um centro clandestino de torturas. Lá foi torturado com o uso de choques elétricos. Valter Pinheiro foi depois anistiado pelas comissões Nacional da Anistia e Estadual da Anistia Wanda Sidou. 

Professora Lúcia Alencar, sobrinha de Frei Tito de Alencar,  aponta sofrimento imposto pela ditadura a famílias de militantes e à sociedade Foto: Dário Gabriel

Outra participante foi a professora da rede pública de ensino de Fortaleza e membro da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, Lúcia Alencar. Ela compartilhou que a família foi perseguida pela ditadura por conta da ação política do pai e de dois tios - entre eles frei Tito de Alencar. Ela disse ainda ter participado dos movimentos secundaristas e integrado o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, bastante emocionada, relembrou a noite em que foi levada à força para ser presa. “Não foram só os familiares de mortos, desaparecidos e perseguidos que sofreram, toda a sociedade brasileira sofreu”, comentou. 

Lúcia Alencar ainda apresentou ações que são realizadas pelo Governo do Estado desde 2016, quando foi criado um grupo de trabalho para pensar em uma política pública sobre memória e verdade. Atualmente, segundo ela, na Secretaria dos Direitos Humanos do Ceará, articula-se a criação de um núcleo de Memória, Verdade, Justiça e Reparação. 

Outras iniciativas citadas por Lúcia Alencar foram a inclusão do tema “memória, verdade e justiça” na Política Estadual de Direitos Humanos; a criação dos projetos “Percursos da Memória”, que visita locais que foram centros clandestinos de torturas, e “Agentes da Memória”; a disponibilização de disciplina eletiva sobre verdade e memória nas escolas públicas estaduais, sendo o primeiro estado brasileiro a adotar iniciativa do tipo; além do site Cartografia da Memória, que está em processo de criação para reunir pesquisas sobre perseguições políticas durante o regime ditatorial. Na avaliação dela, é de fundamental importância discutir esses temas, pois “a democracia é um processo, nunca está pronta, feita e acabada”. 

Também participou da roda de conversa o doutor em Direito e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), David Oliveira. Ele apresentou algumas discussões que fez na tese de Doutorado, em que tratou sobre o processo de anistia, em especial do caso dos militares que foram cassados em 1964. 

De acordo com ele, esse é um tema bastante sensível dentro da caserna, por se tratar de militares que foram contra o movimento golpista. O professor ainda ressaltou ter observado duas perspectivas distintas. Enquanto que no Ministério da Defesa a anistia é vista como um direito ao esquecimento dos crimes cometidos na ditadura, no Ministério da Justiça atua-se mais por reparação, reformas de instituições e memória. 

David Oliveira ainda explicou que todo o processo de anistia foi tutelado pelos militares. “O que deveria haver é um controle civil sobre os militares como qualquer democracia madura”, defendeu. Segundo ele, somente na Assembleia Constituinte - que elaborou a Constituição de 1988 - é que se reconheceu o direito de os militares cassados serem reintegrados nas forças armadas, inclusive com os direitos às progressões que teriam como se estivessem na carreira.

Edição: Clara Guimarães

 

 

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