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Ceará fortalece rede de atenção com políticas estaduais para saúde mental

Por Pedro Emmanuel Goes
22/09/2023 14:15 | Atualizado há 7 meses

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Um dos problemas de saúde mais graves em todo o mundo, o suicídio é apontado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a causa da morte de mais de 700 mil pessoas por ano. Os índices mundiais estão diminuindo, menos nas Américas, onde os números cresceram em até 17% entre os anos de 2000 e 2019, dado que reforça a necessidade de conversar sobre o assunto e de uma rede de apoio especializada, que ofereça o suporte necessário a quem precisa. 

A campanha Setembro Amarelo - Mês de Prevenção ao Suicídio suscita a necessidade de divulgar a pauta da saúde mental e reforçar a importância de se promover esse importante diálogo com a sociedade, fomentando sua conscientização e sensibilização. Assim, várias esferas do poder público também passaram a engajar os temas relacionados à saúde mental nos últimos anos, fortalecendo sua visibilidade com o cuidado que o tema requer.

No Ceará, conforme o boletim epidemiológico “Mortalidade por suicídio e notificação de lesões autoprovocadas”, divulgado em 2022 pela Secretaria Estadual de Saúde (SESA), a taxa de mortalidade por suicídio aumentou 27,6% quando comparada aos anos de 2010 e 2021. O dado tem levado o poder público, em suas mais variadas esferas, a pensar ações que reduzam esses índices e garantam o cuidado que as pessoas em sofrimento mental necessitam.

Rane Félix, coordenadora de Políticas de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (SESA) / Foto: José Leomar

Uma das ações, encampada pela Sesa, por meio da Coordenadoria de Políticas em Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, é a elaboração do Plano Estadual de Prevenção à Automutilação e Suicídio. Conforme a coordenadora da pasta, Rane Félix, a proposta, já inclusa no Plano Plurianual (PPA) da gestão atual, inspira-se na Política Nacional de Prevenção da Automutilação e Suicídio e coloca o tema como ação prioritária no Ceará pela primeira vez.

A iniciativa, ainda de acordo com Rane Félix, relaciona-se tanto com o aumento do índice de mortes por suicídio no Estado quanto pela necessidade de divulgação de informações sobre o assunto, que ainda é visto carregado de estigma pela sociedade.

Rane explica que a secretaria sempre se pautou em ações pontuais sobre o assunto, sendo o apoio às iniciativas municipais seu principal papel. A ideia agora é tornar a pasta mais “proativa” nesse quesito. A nova política, dessa forma, visa regionalizar as ações de prevenção contra a automutilação e o suicídio, considerando o fluxo de cuidado de cada região do Ceará, conforme explica no áudio abaixo:

Outra medida que reforça  a prioridade do tema na atual gestão é a utilização do Sistema de Informações e Acompanhamento dos Pacientes de Internações Psiquiátricas (SISACIP), criado pela Sesa, em parceria com o Ministério Público. O sistema acompanha os pacientes egressos de internações psiquiátricas e de outros hospitais, devendo estes serem priorizados nos atendimentos e entrega da medicação.

A ampla divulgação das questões referentes à saúde mental também está nos planos da coordenadoria. Rane explica que ações serão desenvolvidas junto às comunidades a cada dois meses, com o fim de conscientizar sobre o assunto. “Vemos índices de suicídio subindo, e as pessoas falando pouco sobre isso, então vamos levar esse assunto às comunidades com o fim de desestigmatizar o tema”, disse. A primeira ação acontece na Praça do Ferreira, no dia 10 de outubro, em alusão ao Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado na data. 

A secretaria, a partir do Plano Estadual de Combate à Automutilação e Suicídio, vai trabalhar a prevenção ao suicídio em diversas áreas. No áudio abaixo, Rane Félix comenta de que forma isso deve acontecer e sobre a “transversalidade” do assunto: 

REDE DE APOIO PSICOSSOCIAL

O suicídio e as violências autoprovocadas (tentativa de suicídio, ideação suicida e automutilação) afetam não apenas os indivíduos, mas também as famílias, comunidades e sociedades. Entre os fatores de risco associados ao suicídio destacam-se: abuso sexual na infância, alta recente de internação psiquiátrica, doenças incapacitantes, impulsividade/agressividade, isolamento social, suicídio na família, tentativa prévia e doenças mentais.

O Ceará conta com uma rede de apoio e atenção psicossocial, que promove não só o cuidado, mas também o acompanhamento e a atenção preventiva. Além da rede pública, que compreende os equipamentos oficiais disponíveis pela rede de saúde municipal e estadual, também há todo um corpo de atendimento formado por organizações não governamentais, institutos e programas paralelos, que oferecem atendimento psicológico gratuito não só para pacientes, mas também para familiares.

A porta de entrada para a rede de atenção psicossocial são os postos de saúde. A capital cearense conta com 118 postos, que são responsáveis pela atenção básica. Neles, o profissional reconhece os sintomas de transtorno psíquico e realiza seu acolhimento, conforme o caso. 

Já os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que prestam serviços na área da saúde mental, chegam ao total de 170 em todo o Estado. A capital cearense conta com 16, sendo seis CAPS gerais, que atendem pessoas que apresentam sofrimentos psíquicos ou transtornos mentais severos e persistentes; outros sete CAPS Álcool e Drogas (CAPS AD), específicos para usuários que enfrentam dependência de substâncias psicoativas. A cidade ainda conta com três CAPS especializados na população infantil (CAPSI), com atendimento em casos de sofrimento psíquico ou dependência química.

No CAPS é feita uma avaliação inicial e, de acordo com a necessidade do usuário, é feito o encaminhamento aos serviços de cada unidade, que podem envolver: clínica médica e psiquiátrica, assistência farmacêutica, enfermagem, psicoterapia, terapia ocupacional, massoterapia, fonoaudiologia e nutrição. O paciente pode procurar diretamente pelo serviço ou ser encaminhado após avaliação em um dos postos de saúde.

O Hospital de Saúde Mental de Messejana Professor Frota Pinto é o terceiro nível da hierarquia de atendimento em saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme o diretor-geral do equipamento, Davi Queiroz de Carvalho, o hospital possui Emergência Psiquiátrica 24 horas, para pacientes com transtornos mentais graves e em situação de crise. Para casos de internamento, a unidade dispõe de 160 leitos para tratamento de pessoas com transtornos mentais gerais e 20 para desintoxicação.

Além destes, o hospital conta ainda com dois “hospitais-dia”, vagas ou leitos destinados às pessoas que não precisam de internação, mas requerem acompanhamento: pessoas com dificuldade de adesão à medicação ou com necessidade de vigilância. Nos "hospitais-dia", elas podem passar o período do dia sendo assistidas pela equipe multidisciplinar do hospital e participando das atividades promovidas em grupo, como terapia ocupacional, e retornar às suas casas no período da noite.

O diretor também ressalta a importância do trabalho humanizado realizado pela equipe multidisciplinar do hospital por meio dessas atividades e a importância desse tipo de aplicação no tratamento dos pacientes. Para ele, um dos grandes gargalos no serviço público às pessoas com transtornos mentais, especialmente nos postos de saúde, é a carência de profissionais aptos a realizar esse tipo de atendimento. 

“É crucial para a recuperação dessas pessoas que elas se sintam acolhidas, que se sintam ouvidas, até para que se sintam à vontade para falar sobre o que se sentem e o que se passa com elas, condições fundamentais para sua recuperação”, reforça. 

No Hospital de Saúde Mental de Messejana, os pacientes são envolvidos em diversas atividades com o fim de proporcionar esse cuidado humanizado. É o que explica no vídeo Davi Queiroz de Carvalho.

MAIS INFORMAÇÃO, MAIS SENSIBILIZAÇÃO

O tratamento humanizado e a sensibilização, tanto dos profissionais da saúde mental quanto da população como um todo, têm sido os grandes desafios da saúde mental em todo o Brasil. 

Conforme o médico psiquiatra e gerente da Célula de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Dr. João Batista Alves Lins, ações de divulgação e conscientização dos temas da saúde mental já são realizadas durante o ano inteiro pelas pastas competentes. O que há de especial neste mês, conforme observa, é uma “ampliação dessa divulgação”, o que gera sempre uma maior visualização desses assuntos, seja na imprensa, nas empresas ou em outros lugares.

Uma ação que tem se desenvolvido no âmbito da secretaria municipal é a capacitação de profissionais da rede básica para atendimento e acolhimento de pessoas em situação de transtorno mental.

“São capacitações que visam trabalhar na sensibilização dos profissionais da rede de atenção primária ‒ os postos de saúde, no caso ‒ para que eles reconheçam os sintomas de transtorno psíquico e façam o atendimento e acolhimento ideal, ou os encaminhamentos necessários, conforme o caso”, disse. 

O programa “Vidas Preservadas: o MP e a sociedade pela prevenção do suicídio” é outra iniciativa com esse fim. Criado em 2018 pelo Ministério Público do Estado do Ceará por intermédio dos Centros de Apoio Operacional da Infância, Juventude e Educação (CAOPIJ), do Meio Ambiente (CAOMACE), da Cidadania (CAOCIDADANIA) e Criminal (CAOCRIM), seu objetivo é promover, com o apoio dos parceiros (como a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará), uma abordagem intersetorial da temática, de modo a fomentar o debate, a sensibilização e o fortalecimento de políticas públicas para a promoção da saúde do povo cearense.

Também no último ano, 93 municípios cearenses passaram a elaborar suas políticas municipais de prevenção ao suicídio. Eusébio se destaca ao ser o primeiro município cearense a destinar uma coordenadoria especificamente ao assunto, a Coordenadoria de Valorização da Vida, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social do município. 

NO PARLAMENTO

Iniciativas de parlamentares também incorporam essa preocupação, propondo ações voltadas à promoção da saúde mental e prevenção ao suicídio. 

Em tramitação na Casa, o projeto de indicação 308/23, da deputada Juliana Lucena (PT), sugere a criação e implantação de hospitais de saúde mental nas regiões do estado do Ceará. 

A proposta indica que os hospitais de saúde mental terão, dentro da possibilidade orçamentária, estrutura física e de aparelhagem semelhante ao Hospital de Saúde Mental de Messejana, devendo ter, entre outras infraestruturas de atendimento necessárias, atendimento clínico-geral psiquiátrico e psicológico; urgência e emergência; "hospitais-dia", com leitos distribuídos em atendimento a psicóticos e dependentes químicos; núcleo de atenção à infância e adolescência e unidades de desintoxicação (álcool e outras drogas). 

De acordo com a parlamentar, esses hospitais serão importantes reforços no diagnóstico e tratamento de pacientes que muitas vezes precisam se deslocar por longas distâncias na busca de tratamentos em centros especializados na capital cearense ou até mesmo em outros estados do Brasil.

Os projetos de indicação 363/23498/23, da deputada Emilia Pessoa (PSDB) e do deputado Romeu Aldigueri (PDT), respectivamente, indicam ações voltadas aos agentes de segurança pública do Estado. O primeiro institui o Programa de Saúde Mental e Cidadania Socioemocional para os agentes de segurança, enquanto o segundo cria o Programa de Prevenção contra a Automutilação e Suicídio para a categoria. 

Já o deputado Apóstolo Luiz Henrique (Republicanos) é responsável pelo projeto de indicação 88/23, que sugere a notificação compulsória de casos de violência autoprovocada, incluídos os casos de automutilação e suicídio.

Entre os projetos de lei estão os PLs 857/23, do deputado Antônio Henrique (PDT), que cria o Programa de Conscientização sobre a Depressão em Idosos; o 580/23, da deputada Larissa Gaspar (PT), que propõe a instituição da campanha Maio Furta-Cor, dedicada à promoção da conscientização, cuidado e promoção da saúde mental de mulheres grávidas e puérperas. Os projetos de lei também encontram-se em processo de tramitação na Casa. 

ONDE BUSCAR AJUDA

Centros de Atenção Psicossocial do Ceará

Confira aqui os endereços dos Centros de Atenção Psicossocial do Ceará, divulgados pelo Vidas Preservadas, do Ministério Público do Ceará.

Esta é a segunda de uma série de matérias sobre o Setembro Amarelo realizadas pela Agência de Notícias da Alece. A primeira destacou os diversos projetos da Alece nessa área e abordou um panorama geral da questão no Estado. Participam dela os repórteres Geimison Maia, Pedro Emmanuel Goes e Ana Vitória Marques; as editoras Clara Guimarães e Lusiana Freire; os fotógrafos Máximo Moura e José Leomar; a revisora Carmem Ciene e o Núcleo de Publicidade Institucional da Casa.

Edição: Clara Guimarães

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